O homem prefere ser exaltado por aquilo que não é, a ser tido em menor conta por aquilo que é. É a vaidade em ação.
Quem não quiser sofrer que se isole. Feche as portas da sua alma quanto possível à luz do convívio.
O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.
Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugna-la-íamos, se a tivéssemos. O perfeito é desumano, porque o humano é imperfeito.
Aquele que conheceu apenas a uma mulher e amou de verdade, sabe muito mais das mulheres do que aquele que conheceu mil.
Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares.
O característico principal do homem que nasceu para mandar é que sabe mandar em si mesmo.
Porque quem ama nunca sabe o que ama nem sabe porque ama, nem o que é amar. Amar é a eterna inocência, e a única inocência, não pensar...
Muitos não sabem propriamente distinguir a originalidade da excentricidade: uma caracteriza o gênio, outra manifesta o louco.
Duvido, portanto penso.
Alague o seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas.
Não é o trabalho, mas o saber trabalhar, que é o segredo do êxito no trabalho. Saber trabalhar quer dizer: não fazer um esforço inútil, persistir no esforço até ao fim, e saber reconstruir uma orientação quando se verificou que ela era, ou se tornou, errada.
A ciência descreve as coisas como são; a arte, como são sentidas, como se sente que são. O essencial na arte é exprimir; o que se exprime não tem importância.
Quem tem alma não tem calma.
O homem não sabe mais que os outros animais; sabe menos. Eles sabem o que precisam saber. Nós não.
Torturamos os nossos irmãos homens com o ódio, o rancor, a maldade e depois dizemos "o mundo é mau"
Precisar dominar os outros é precisar dos outros. O chefe é um dependente.
Vivemos todos, neste mundo, a bordo de um navio saído de um porto que desconhecemos para um porto que ignoramos; devemos ter, uns para os outros, uma amabilidade de viagem.
Não faças o que os outros fazem, porque eles o fazem, nem o que os outros não fazem porque eles não fazem.
A coragem que vence o medo tem mais elementos de grandeza que aquela que o não tem. Uma começa interiormente; outra é puramente exterior. A última faz frente ao perigo; a primeira faz frente, antes de tudo, ao próprio temor dentro da sua alma.
Uma das formas de saúde é a doença. Um homem perfeito, se existisse, seria o ser mais anormal que se poderia encontrar.
Ninguém admira a si mesmo, salvo um paranóico com o delírio das grandezas.
A ironia é o primeiro indício de que a consciência se tornou consciente.
Amor não se conjuga no passado, ou se ama para sempre ou nunca se amou verdadeiramente.
Os argumentos são, quase sempre, mais verdadeiros do que os fatos. A lógica é o nosso critério de verdade, e é nos argumentos, e não nos fatos, que pode haver lógica.
Todos temos por onde sermos desprezíveis. Cada um de nós traz consigo um crime feito ou o crime que a alma lhe pede para fazer.
O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela.
A atividade social chamada comércio, por mal vista que esteja pelos teoristas de sociedades impossíveis, é contudo um dos dois característicos distintivos das sociedades chamadas civilizadas. O outro característico distintivo é o que se denomina cultura.
O pensamento, porém, poderoso como é, nada pode contra a rebeldia da emoção. Não podemos não sentir, como podemos não andar.
O amor quer a posse, mas não sabe o que é a posse. Se eu não sou meu, como serei teu, ou tu minha?
Amo o Real quando amo os meus sonhos.
Os cavalos da cavalaria é que formam a cavalaria. Sem as montadas, os cavaleiros seriam peões. O lugar é que faz a localidade. Estar é ser.
A sociedade é um sistema de egoísmos maleáveis, de concorrência intermitentes. Cada homem é, ao mesmo tempo, um ente individual e um ente social. Como indivíduo distingue-se de todos os outros homens; e, porque se distingue, opõe-se-lhes. Como sociável, parece-se com todos os outros homens; e, porque se parece, agrega-se-lhes.
A vida é para nós o que concebemos dela. Para o rústico cujo campo lhe é tudo, esse campo é um império. Para o César cujo império lhe ainda é pouco, esse império é um campo. O pobre possui um império; o grande possui um campo. Na verdade, não possuímos mais que as nossas próprias sensações; nelas, pois, que não no que elas vêem, temos que fundamentar a realidade da nossa vida.
Desceu sobre nós a mais profunda e a mais mortal das secas dos séculos - a do conhecimento íntimo da vacuidade de todos os esforços e da vaidade de todos os propósitos.
Conhece alguém as fronteiras à sua alma, para que possa dizer - eu sou eu ?
A inspiração poética é um delírio equilibrado (mas sempre um delírio).
A vida é a hesitação entre uma exclamação e uma interrogação. Na dúvida, há um ponto final.
Se a obscenidade não o fosse!
Desejo ser um criador de mitos, que é o mistério mais alto que pode obrar alguém da humanidade.
Pensar é querer transmitir aos outros aquilo que se julga que se sente.
Ser solitário para ser sincero e puro na alma. O homem ente coletivo - é um ser corrupto.
Se algum dia alguém deixasse de me achar ridículo, eu entristecia ao me conhecer, por esse sinal objetivo, em decadência mental.
A sensibilidade conduz normalmente à ação, o entendimento à contemplação.
O historiador é um homem que põe os fatos nos seus devidos lugares. Não é como foi; é assim mesmo.
Os psiquiatras sabem (às vezes) como trabalha o espírito doente, mas não como trabalha o espírito são.
Os críticos podem dizer que determinado poema, longamente ritmado, não quer, afinal, dizer senão que o dia está bom. Mas dizer que o dia está bom é difícil, e o dia bom, ele mesmo, passa. Temos pois que conservar o dia bom em memória florida e prolixa, e assim constelar de novas flores ou de novos astros os campos ou os céus da exterioridade vazia e passageira.
Podemos morrer se apenas amámos.
A arte consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos, em os libertar deles mesmos, propondo-lhes a nossa personalidade para especial libertação.
Correr riscos reais, além de me apavorar, não é por medo que eu sinta excessivamente - perturba-me a perfeita atenção às minhas sensações, o que me incomoda e me despersonaliza.
Um tipo frustrado é um homem demasiado inteligente para ser um homem meramente inteligente e não bastante inteligente para ser um homem de talento.
Não haja medo que a sociedade se desmorone sob um excesso, de altruísmo. Não há perigo desse excesso.
A ação é uma doença do pensamento, um cancro da imaginação. Agir é exilar-se.
O mais alto de nós não é mais que um conhecedor mais próximo do oco e do incerto de tudo.
Considerar a nossa maior angústia como um incidente sem importância, não só na vida do universo, mas da nossa mesma alma, é o princípio da sabedoria.
O mal romântico é este: querer a lua como se houvesse maneira de a obter.
Em certos casos, quanto mais nobre é o gênio, menos nobre é o destino. Um pequeno gênio ganha fama, um grande gênio ganha descrédito, um gênio ainda maior ganha desespero; um deus ganha crucificação.
O tédio é a falta de uma mitologia. A quem não tem crenças, até a dúvida é impossível, até o ceticismo não tem força para desconfiar.
Saber ser supersticioso ainda é uma das artes que, realizadas a auge, marcam o homem superior.
A felicidade está fora da felicidade.
De sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos.
O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto.
O verdadeiro sábio é aquele que assim se dispõe que os acontecimentos exteriores o alterem minimamente. Para isso precisa couraçar-se cercando-se de realidades mais próximas de si do que os fatos, e através das quais os fatos, alterados para de acordo com elas, lhe chegam.
Com uma tal falta de gente coexistível, como há hoje, que pode um homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos, ou quando menos, os seus companheiros de espírito?
A vida prejudica a expressão da vida. Se eu vivesse um grande amor nunca o poderia contar.
A finalidade da arte não é agradar. O prazer é aqui um meio; não é neste caso um fim. A finalidade da arte é elevar.
Dominámos outrora o mar físico, criando a civilização universal; dominemos agora o mar psíquico, a emoção, a mãe temperamento, criando a civilização intelectual.
Nunca para dentro da vida de nenhum outro homem se insinuou tanto o mistério do mundo. Tão familiarmente, por assim dizer. O mistério do mundo encontra não apenas o meu pensamento, mas também o meu sentimento.
Tudo quanto fazemos, na arte ou na vida, é a cópia imperfeita do que pensamos em fazer. Desdiz não só da perfeição externa, senão da perfeição interna; falha não só à regra do que deveria ser, senão à regra do que julgávamos que poderia ser. Somos ocos não só por dentro, senão também por fora, párias da antecipação e da promessa.
A melhor parte é de quem não pertence a nada, nem sofre a injúria da frustração ou o insulto do conseguimento.
Aquilo que, creio, produz em mim o sentimento profundo, em que vivo, de incongruência com os outros, é que a maioria pensa com a sensibilidade, e eu sinto com o pensamento.
Digo-vos: praticai o bem. Porquê? O que ganhais com isso? Nada, não ganhais nada. Nem dinheiro, nem amor, nem respeito, nem talvez paz de espírito. Talvez não ganheis nada disso. Então por que vos digo: Praticai o bem? Porque não ganhais nada com isso. Vale a pena praticá-lo por isto mesmo.
Ninguém será nunca comovidamente meu amigo. Por isso tantos me podem respeitar.
Todo o prazer é um vício, porque buscar o prazer é o que todos fazem na vida, e o único vício negro é fazer o que toda a gente faz.
Somos avatares da estupidez passada.
Nunca encarei o suicídio como uma solução, porque eu odeio a vida por amor a ela.
Tudo quanto o homem expõe ou exprime é uma nota à margem de um texto apagado de todo. Mais ou menos, pelo sentido da nota, tiramos o sentido que havia de ser o do texto; mas fica sempre uma dúvida, e os sentidos possíveis são muitos.
O povo nunca é humanitário. O que há de mais fundamental na criatura do povo é a atenção estreita aos seus interesses, e a exclusão cuidadosa, praticada sempre que possível, dos interesses alheios.
Sê plural como o universo!
Convicções profundas, só as têm as criaturas superficiais. Os que não reparam para as coisas quase que as vêem apenas para não esbarrar com elas, esses são sempre da mesma opinião, são os íntegros e os coerentes. A política e a religião gastam dessa lenha, e é por isso que ardem tão mal ante a Verdade e a Vida.
Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens.
Entre mim e a vida há um vidro tênue. por mais nitidamente que eu veja e compreenda a vida, eu não lhe posso tocar.
Posso imaginar tudo, porque não sou nada. Se fosse alguma coisa, não poderia imaginar.
Odiamos o que quase somos.
Viver é não conseguir.
Sentir é criar. Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o universo não tem ideias.
Saber interpor-se constantemente entre si próprio e as coisas é o mais alto grau de sabedoria e prudência.
Vivemos da memória, que é a imaginação do que morreu; da esperança, que é a confiança no que não existe; do sonho, que é a visão do que não pode existir.
Uma família não é um grupo de parentes; é mais do que a afinidade do sangue, deve ser também uma afinidade de temperamento. Um homem de gênio muitas vezes não tem família. Tem parentes.
Custa tanto ser sincero quando se é inteligente! É como ser honesto quando se é ambicioso.
Ter opiniões é estar vendido a si mesmo. Não ter opiniões é existir. Ter todas as opiniões é ser poeta.
O zero é a maior metáfora. O infinito a maior analogia. A existência o maior símbolo.
O universo é o sonho de si mesmo.
A consciência da inconsciência da vida é o mais antigo imposto à inteligência. Há inteligências inconscientes - brilhos do espírito, correntes do entendimento, mistérios e filosofias - que têm o mesmo automatismo que os reflexos corpóreos, que a gestão que o fígado e os rins fazem de suas secreções.
As ideias são prodigiosas - elas e a maneira como se associam. Num momento, descobrimos que atravessámos o mundo, e que transpusemos o infinito entre dois pensamentos.
Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso.
A superioridade do sonhador consiste em que sonhar é muito mais prático que viver, e em que o sonhador extrai da vida um prazer muito mais vasto e muito mais variado do que o homem de ação. Em melhores e mais directas palavras, o sonhador é que é o homem de ação.
Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for. O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem qualquer terra larga, mas onde estará o palácio se não o fizerem ali?
Quanto mais diferente de mim alguém é, mais real me parece, porque menos depende da minha subjectividade.
A ignorância é a verdadeira inocência. O maior pensador é o maior debochado.
Para que um homem possa ser absolutamente intelectual, tem que ser um pouco imoral.
Alguns têm na vida um grande sonho e faltam a esse sonho. Outros não têm na vida nenhum sonho, e faltam a esse também.
Todas as frases do livro da vida, se lidas até ao fim, terminam numa interrogação.
Sinto frio na alma; não sei com que me agasalhar. Para o frio da alma não há manto nem capa, quem o sente não se esquece.
Para realizar um sonho é preciso esquecê-lo, distrair dele a atenção. Por isso realizar é não realizar.
Quem é pobre pode julgar que, se deixasse de o ser, seria feliz. Quem é rico sabe que não há maneira de ser feliz.
Para que um homem possa ser distintivamente e absolutamente moral, tem que ser um pouco estúpido.
A essência da ironia consiste em não se poder descobrir o segundo sentido do texto por nenhuma palavra dele, deduzindo-se porém esse segundo sentido do fato de ser impossível dever o texto dizer aquilo que diz.
As palavras dos outros são erros do nosso ouvir, naufrágios do nosso entender.
Querer não é poder. Quem pôde, quis antes de poder só depois de poder. Quem quer nunca há-de poder, porque se perde em querer.
Porque é bela a arte? Porque é inútil. Porque é feia a vida? Porque é toda fins e propósitos e intenções.
O corpo vive porque se desintegra, sem se desintegrar demais. Se não se desintegrasse segundo a segundo, seria um mineral.
O olfato é uma vista estranha. Evoca paisagens sentimentais por um desenhar súbito do subconsciente.
Compreender o que outra pessoa pensa é discordar dela. Compreender o que outra pessoa sente é ser ela.
Ser descontente é ser homem.
O homem é do tamanho do seu sonho.
E assim como sonho, raciocino se quiser, porque isso é apenas uma outra espécie de sonho.
A vida é um mal digno de ser gozado.
No teatro da vida quem tem o papel de sinceridade é quem, geralmente, mais bem vai no seu papel.
O esforço dura quanto dura a fé.
Saber não ter ilusões é absolutamente necessário para se poder ter sonhos.
O inferno e o céu continuam a existir. São eternos. Quem os tira do céu tira-os para a terra.
Quando falo com sinceridade, não sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe.
O amor romântico é como um traje, que, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e, em breve, sob a veste do ideal que formámos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em que o vestimos. O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão. Só o não é quando a desilusão, aceite desde o príncipio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se renove o aspecto da criatura, por eles vestida.
Possuir é perder. Sentir sem possuir é guardar, porque é extrair de uma coisa a sua essência.
Nenhuma ideia brilhante consegue entrar em circulação se não agregando a si qualquer elemento de estupidez. O pensamento coletivo é estúpido porque é coletivo: nada passa as barreiras do coletivo sem deixar nelas a maior parte da inteligência que traga consigo.
Ah, não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram!
Só a arte é útil. Crenças, exércitos, impérios, atitudes - tudo isso passa. Só a arte fica, por isso só a arte se vê, porque dura.
Os meus sonhos são um refúgio estúpido, como um guarda-chuva contra um raio.
A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo.
Não será a morte - até, talvez, fisiologicamente vista - uma espécie de nascimento - o nascimento, talvez, do que era incompleto numa forma completa ou pura?
O único modo de estarmos de acordo com a vida é estarmos em desacordo com nós próprios.
Pensar é destruir. O próprio processo do pensamento o indica para o mesmo pensamento, porque pensar é decompor.
Tudo em nós está em nosso conceito do mundo; modificar o nosso conceito do mundo é modificar o mundo para nós, isto é, é modificar o mundo, pois ele nunca será, para nós, senão o que é para nós.
A experiência directa é o subterfúgio, ou o esconderijo, daqueles que são desprovidos de imaginação. Os homens de acção são os escravos dos homens de entendimento. As coisas não valem senão na interpretação delas. Uns, pois, criam coisas para que os outros, transmudando-as em significação, as tornem vidas. Narrar é criar, pois viver é apenas ser vivido.
Sinto, por vezes, um temor espantado das minhas inspirações, dos meus pensamentos, compreendendo quão pouco de mim é meu.
O sentimento abre as portas da prisão com que o pensamento fecha a alma.
Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho.
Tudo o que dorme é criança de novo. Talvez porque no sono não se possa fazer mal, e se não dá conta da vida, o maior criminoso, o mais fechado egoísta é sagrado, por uma magia natural, enquanto dorme. Entre matar quem dorme e matar uma criança não conheço diferença que se sinta.
Aborreço-me da possibilidade de vida eterna; o tédio de viver sempre deve ser imenso. Talvez o inferno seja isso.
A lucidez só deve chegar ao limiar da alma. Nas próprias antecâmaras do sentimento é proibido ser explícito.
O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente.
Assim como lavamos o corpo devíamos lavar o destino, mudar de vida como mudamos de roupa.
Ver e ouvir são as únicas coisas nobres que a vida contém. Os outros sentidos são plebeus e carnais. A única aristocracia é nunca tocar.
Nunca sabemos quando somos sinceros. Talvez nunca o sejamos. E mesmo que sejamos sinceros hoje, amanhã podemos sê-lo por coisa contrária.
Não há felicidade senão com conhecimento. Mas o conhecimento da felicidade é infeliz; porque conhecer-se feliz é conhecer-se passando pela felicidade, e tendo, logo já, que deixá-la atrás. Saber é matar, na felicidade como em tudo. Não saber, porém, é não existir.
O mundo é de quem não sente. A condição essencial para se ser um homem prático é a ausência de sensibilidade.
Para vencer - material ou imaterialmente - três coisas definíveis são precisas: saber trabalhar, aproveitar oportunidades, e criar relações. O resto pertence ao elemento indefinível, mas real, a que, à falta de melhor nome, se chama sorte.
Feliz quem não exige da vida mais do que ela espontaneamente lhe dá, guiando-se pelo instinto dos gatos, que buscam o sol quando há sol.
Pode ser que nos guie uma ilusão; a consciência, porém, é que nos não guia.
O homem vulgar, por mais dura que lhe seja a vida, tem ao menos a felicidade de a não pensar.
Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Definir o belo é não o compreender.
Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida - umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana. Não é o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso.
A beleza de um corpo nu só a sentem as raças vestidas. O pudor vale sobretudo para a sensibilidade como o obstáculo para a energia.
O orgulho é a consciência (certa ou errada) do nosso próprio mérito, a vaidade, a consciência (certa ou errada) da evidência do nosso próprio mérito para os outros.
Descobri que a leitura é uma forma servil de sonhar. Se tenho de sonhar, porque não sonhar os meus próprios sonhos?
Ser austero é não saber esconder que se tem pena de não ser amado. A moral é a má hipocrisia da inveja.
Criador de anarquias sempre me pareceu o papel digno de um intelectual - dado que a inteligência desintegra e a análise estiola.
Para quem é guiado pelo sentimento, a solução de qualquer questão é fácil.
Ninguém entende ninguém. Tudo é interstício e acaso, mas está tudo certo.
Passar dos fantasmas da fé para os espectros da razão é somente ser mudado de cela.
Sábio é quem monotoniza a existência, pois então cada pequeno incidente tem um privilégio de maravilha. O caçador de leões não tem aventura para além do terceiro leão. Para o meu cozinheiro monótono uma cena de bofetadas na rua tem sempre qualquer coisa de apocalipse modesto. Quem nunca saiu de Lisboa viaja no infinito no carro até Benfica, e, se um dia vai a Sintra, sente que viajou até Marte. O viajante que percorreu toda a terra não encontra de cinco mil milhas em diante novidade, porque encontra só coisas novas; outra vez a novidade, a velhice do eterno novo, mas o conceito abstracto de novidade ficou no mar com a segunda delas.
O português é capaz de tudo, logo que não lhe exija que o seja. Somos um grande povo de heróis adiados.
Não o prazer, não a glória, não o poder: a liberdade, unicamente a liberdade.
A loucura, longe de ser uma anomalia, é a condição normal humana. Não ter consciência dela, e ela não ser grande, é ser homem normal. Não ter consciência dela e ela ser grande, é ser louco. Ter consciência dela e ela ser pequena é ser desiludido. Ter consciência dela e ela ser grande é ser génio.
É nobre ser tímido, ilustre não saber agir, grande não ter jeito para viver.
Tudo que existe existe talvez porque outra coisa existe. Nada é, tudo coexiste: talvez assim seja certo.
Ver muito lucidamente prejudica o sentir demasiado. E os gregos viam muito lucidamente, por isso pouco sentiam. De aí a sua perfeita execução da obra de arte.
O fim da arte inferior é agradar, o fim da arte média é elevar, o fim da arte superior é libertar.
Despreza tudo, mas de modo que o desprezar te não incomode. Não te julgues superior ao desprezares. A arte do desprezo nobre está nisso.
Tudo quanto vive, vive porque muda; muda porque passa; e, porque passa, morre. Tudo quanto vive perpetuamente se torna outra coisa, constantemente se nega, se furta à vida.
A única atitude intelectual digna de uma criatura superior é a de uma calma e fria compaixão por tudo quanto não é ele próprio. Não que essa atitude tenha o mínimo cunho de justa e verdadeira; mas é tão invejável que é preciso tê-la.
Pareço egoísta àqueles que, por um egoísmo absorvente, exigem a dedicação dos outros como um tributo.
Amar é cansar-se de estar só: é uma cobardia portanto, e uma traição a nós próprios (importa soberanamente que não amemos).
O misticismo é apenas a forma mais complexa de se ser efeminado e decadente. O único lado útil da inutilidade.
Por vezes surpreendo-me com um medo espantado das minhas inspirações, dos meus pensamentos, ao dar-me conta de quão pouco o que há em mim me pertence (ou é eu próprio).
Cansa ser, sentir dói, pensar destrui.
Sentir é compreender. Pensar é errar. Compreender o que outra pessoa pensa é discordar dela. Compreender o que outra pessoa sente é ser ela.
A timidez é o mais vulgar de todos os fenómenos. O que há de mais vulgar em todos nós é termos medo de sermos ridículos...
Reduzir as necessidades ao mínimo, para que em nada dependamos de outrem.
Nunca amamos ninguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos. Isso é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa.
Não há normas. Todos os homens são excepção a uma regra que não existe.
Há um cansaço da inteligência abstracta, e é o mais horroroso dos cansaços. Não pesa como o cansaço do corpo, nem inquieta como o cansaço do conhecimento e da emoção. É um peso da consciência do mundo, um não poder respirar da alma.
Na vida de hoje, o mundo só pertence aos estúpidos, aos insensíveis e aos agitados. O direito a viver e a triunfar conquista-se hoje quase pelos mesmos processos por que se conquista o internamento num manicómio: a incapacidade de pensar, a amoralidade e a hiperexcitação.
Sentir é estar distraído.