É ridículo que o homem não queira fugir dos próprios vícios, o que seria possível. E tenta fugir dos vícios alheios, o que e impossível.
Muitas vezes erra não apenas quem faz, mas também quem deixa de fazer alguma coisa.
Não desprezes a morte; dá-lhe boa acolhida, como a uma das coisas que a Natureza quer.
Quanto não ganha em tranquilidade quem não se preocupa com o que o vizinho diz, faz ou pensa, mas apenas com os seus próprios atos.
Os homens desprezam−se mutuamente, e mutuamente se lisonjeiam. Querem suplantar uns aos outros, e se curvam uns perante outros!
As mudanças assustam? Mas pode alguma coisa ocorrer sem que haja mudança? Que há de mais caro e familiar à natureza universal? Tu próprio podes tomar banho sem que a lenha seja transformada? Podes comer sem que sejam transformados os alimentos? Não vês, então, que as mudanças em ti mesmo são fatos semelhantes e semelhantemente necessários à natureza universal?
Preste o máximo de atenção no que dizem. Pelo pensamento, penetra nos acontecimentos e em suas causas.
A maior parte das coisas que dizemos e fazemos não é necessária; quem as eliminar da própria vida será mais tranquilo e sereno.
Não entenda as coisas como as vê aquele que te ofende, tampouco como ele gostaria que as sentisse, mas assimile−as como são realmente.
A morte é o descanso das repercussões sensórias, do titerear dos impulsos, das divagações do intelecto e dos serviços à carne.
É necessário ser atento às palavras no discurso quanto ser atento aos atos nos empreendimentos. Procurar no discurso, o objetivo; nos empreendimentos, o sentido.
Se tens dificuldade em cumprir um intento, não penses logo que seja impossível para o homem; pensa quanto é possível e natural para ele, e que também pode ser alcançado por ti.
Todas essas coisas são triviais pela repetição, efêmeras em relação ao tempo, perecíveis por sua matéria. Na época daqueles que enterramos, quanto hoje.
Ler, não podes mais. Reprimir o orgulho, entretanto, tu o podes. Colocar−te acima da glória vã tu o podes. Não guardar rancor aos insensíveis e ingratos, antes, lhes ser útil, tu o podes.
Este não é o momento de dissertar sobre o que deve ser o homem de bem, mas sim de começar a viver como homem de bem.
É diferente do movimento da flecha o movimento do espírito. Entretanto, quando, tomadas todas as precauções, o espírito parte para o exame das coisas, o seu percurso não é menos reto rumo ao alvo.
Da mesma maneira que te apresenta o banho (óleo, suor, sujeira, água viscosa, coisas repugnantes), assim é cada porção da vida e cada objeto.
Não te conduzas como se fosse durar milhares de anos. Sobre ti paira o inevitável. Enquanto vives e podes, esforça−te para tornar−te homem de bem.
Bem mais graves são os efeitos produzidos em nós pela ira e pela dor, com os quais reagimos às coisas, do que aqueles produzidos pelas coisas em si, pelos quais nos encolerizamos e sofremos.
Mudar de opinião e seguir quem te corrige é também o comportamento do homem livre.
Sobre o mesmo altar, muitos grãos de incenso: este caiu primeiro, aquele depois. Tanto faz.
Não considerar presentes as coisas ausentes; das presentes, computar as que são mais propícias e, por isso, imaginar como seriam procuradas, se não estivessem presentes. Ao mesmo tempo, contudo, toma cautela para não te acostumares, pela satisfação que experimentas, a dar-lhes tão subido valor que sua falta eventual possa conturbar-te.
Mesmo se devesses viver três vezes mil anos, e mesmo tantas vezes dez mil, lembra-te sempre de que todos só perdem a existência que vivem e que só se vive a que se perde.
Passar todo dia como se fora o último, sem agitação, sem moleza, sem falsidade, nisso consiste a perfeição dos costumes.
O valor de um homem é apenas tão elevado como o valor das suas ambições.
Se te ocorrer, de manhã, de acordares com preguiça e indolência, lembra-te deste pensamento: «Levanto-me para retomar a minha obra de homem».
Uva verde, uva madura, uva passa, tudo é transformação, não para o não−ser, mas para o que ainda não é.
Não poderás ser mestre na escrita e leitura sem ter sido antes aluno. Quanto menos na vida!
Rejeita a sede dos livros, para que não morras com queixumes, mas serenamente.
Sempre vá pelo caminho mais curto. O que segue a natureza é sempre o mais curto. Guia−te, pois pela mais pura razão, no dizer e no fazer. Agindo assim te livrarás de cuidados, de conflitos, e a cálculos e astúcias não terás de recorrer.
Nunca se deixe arrastar pelo torvelinho. Em qualquer situação, visar à justiça; em todo pensamento, objetivar a compreensão.
O sentido correto destas palavras ainda é impreciso: roubar, semear, comprar, repousar, prever. Há alguns sentidos que não se distinguem com os olhos, e sim com uma visão bem diversa.
Frente a cada ação alheia, crie o hábito de perguntar a ti mesmo, sempre que possível: "Qual a finalidade?" Mas começa por ti. Examina a ti mesmo.
A arte da vida se assemelha mais à da luta do que à da dança. Tem de estar sempre alerta e em guarda contra os golpes súbitos e imprevistos.
Quem são Alexandre, César, Pompeu, em face de Diógenes, Heráclito, Sócrates? Eis que estes últimos conheceram as coisas, suas causas, sua natureza, e conservaram sempre livres suas almas. Aqueles, todavia, que coisas souberam prever? A quantas se escravizaram?
Não se é menos culpado não fazendo o que se deve fazer do que fazendo o que não se deve fazer.
O homem comum é exigente com os outros; o homem superior é exigente consigo mesmo.
Quando a força das circunstâncias te deixar como que transtornado, volta depressa a ti mesmo; não fiques fora do ritmo além do necessário, porque serás tanto mais senhor da harmonia quanto mais frequentemente voltares a ela.
O cavalo que faz a corrida, a abelha que faz o mel e o homem que faz o bem, não fazem alarde disto, mas passam a fazer outras acções do mesmo gênero.
Orgulha−se a aranha de apanhar moscas. Tal homem, de apanhar lebres; tal outro, sardinhas na rede; este, um javali; esse, um urso; aquele, alguns sármatas. Estudados os princípios que os norteiam, não poderiam todos ser qualificados de assassinos?
A respeito da dor: intolerável, mata. Duradoura, é suportável. Concentrando−se, o pensamento se conserva sereno, não permitindo contaminar a porção soberana. Se puder, que digam as partes do nosso ser atingidas pela dor.
No senado ou com qualquer um, fala em tom moderado e sem exagero. Faze tua linguagem revelar raciocínio honesto.
Aplica-te a todo o instante com toda a atenção... para terminar o trabalho que tens nas tuas mãos... e liberta-te de todas as outras preocupações. Delas ficarás livre se executares cada acção da tua vida como se fosse a última.
O prazer é entendido a seu modo por cada um. O meu é ter a alma sadia, sem aversão por homem algum nem pelas coisas que aos homens acontecem. Ao contrário, vejo−os com olhos serenos, aceitando−as e dando a cada uma o seu devido valor.
Não tenha para com os inumanos os sentimentos que os homens têm para com os homens.
Escava dentro de ti. É lá que está a fonte do bem, e esta pode jorrar continuamente, se a escavares sempre.
Quem peca, contra si peca; quem comete injustiça, a si agrava, porque a si mesmo perverte.
Quem é mais hábil na luta, nem sempre é mais devotado ao interesse comum, nem mais modesto, nem mais calmo em face das vicissitudes, nem mais indulgente para os erros do próximo.